«Conta-se, acerca de Tales, que teria caído num poço quando se ocupava com a esfera celeste e olhava para cima. Acerca disto, uma criada trácia, espirituosa e bonita, ter-se-ia rido e dito que ele queria, com tanta paixão, ser sabedor das coisas do céu, que lhe permaneciam escondidas as que se encontravam diante do seu nariz e sob os seus pés.»
Platão acrescentou ao relato desta história, a seguinte afirmação:
«O mesmo escárnio aplica-se a todos os que se ocupam da filosofia.»
A questão «que é uma coisa?» deve determinar-se como uma daquelas de que as criadas se riem. E uma verdadeira criada deve ter sempre qualquer coisa de que se possa rir.
De súbito, com a caracterização da questão acerca do que é uma coisa, aproximamo-nos do que seja a atitude própria da filosofia, que levanta uma tal questão. Filosofia é aquele modo de pensar, com o qual, essencialmente, nada se pode começar e acerca do qual as criadas necessariamente se riem.
Esta determinação conceptual da filosofia não é uma mera brincadeira, mas deve ser meditada. Oportunamente, faremos bem em nos recordarmos de que, no decurso do nosso trajeto, talvez nos aconteça cair num poço, de que não consigamos, durante muito tempo, encontrar o fundo.”
Heidegger, “O que é uma coisa?”