O que é a ditadura da razão? A ditadura da razão é exclusiva e excludente e consiste em montar um sistema universal de prestar contas e dar explicações evidentes e suficientes, coerentes e consistentes de tudo que é, de tudo que se conhece e de tudo que se faz, seja nas ações que se põem, seja nas atitudes que se tomam, seja nas omissões, que se praticam. Prestar conta e dar explicação está em arguir, consiste em argumentar, no sentido de oferecer, discursivamente, condições necessárias e suficientes de possibilidade e determinação, de controle e sustentação. Racionalidade não diz apenas a regra e o domínio da razão. Racionalidade diz sobretudo a razão, como regra e domínio de tudo. Para os fragmentos de Heráclito nos poderem levar até à atmosfera do pensamento, temos de nos dispor a violar a ditadura da razão e de nos descolar da discursividade da lógica. Mas para ficar com quê? de mãos vazias? ou com uma mão na frente e outra atrás? – Não! Em lugar de razão e lógica, aquela disposição e esta descolagem nos presenteiam com o vigor do Lógos: a dialética. A morada do pensador nunca pode ser de exclusão mas é sempre de inclusão. O pensamento acolhe no e pelo ordinário o extraordinário, vê o invisível no visível, é a disputa recíproca do que se exclui com o que se inclui. Os ditos do pensamento não se movem rígidos e inflexíveis, como a necessidade; não são “dicta-dura”, os ditos do pensamento fluem maleáveis e dóceis, como a possibilidade; são “dicta suavia”.
Carneiro Leão, “Filosofia Grega: uma introdução”